A importância da doula na humanização do nascimento antirracista por Louise Munier

04/10/2022

Louise Munier

Louise Munier é mãe de dois, Doula desde 2018 com atualização pela EPSJ/Fiocruz, Educadora Perinatal, Consultora em Lactação, Mulher preta, Graduanda em Sociologia, Palestrante e Aromaterapeuta de gestantes e puérperas. Cresceu no bairro de Acari - Zona norte do RJ, Foi fundadora e Coordenadora do projeto Acolher Gestantes ( voluntariado de doulas da Adoulasrj ), está como tesoureira na atual diretoria da Associação de Doulas - Adoulasrj ( 2022/2025 ), Membra do GT de Racismo obstétrico da Mãedata de Thaís Ferreira, Produziu em conjunto com o Gestart Acari uma mini cartilha sobre amamentação negra, está como Gestora e doula no projeto de voluntariado de doulas na maternidade Herculano Pinheiro em Madureira/RJ desde 2019.

Para entender a importância da doula na humanização do nascimento antirracista primeiro é preciso avaliar o cenário obstétrico brasileiro num todo para compreender que as diferenças na assistência são gritantes.

 A pesquisa "Nascer no Brasil: inquérito nacional sobre o parto e o nascimento", que foi um estudo de base hospitalar com abrangência nacional, coordenado pela Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca (ENSP-Fiocruz), com participação de renomadas instituições públicas de ensino e pesquisa.

 O intuito dessa pesquisa era conhecer melhor a atenção ao pré-natal, ao parto, ao nascimento e ao puerpério no Brasil, bem como estimar prevalência da prematuridade e a incidência de complicações clínicas no parto e após o parto, tanto em mães quanto em recém-nascidos. A pesquisa acompanhou mais de 23 mil mulheres da rede pública e privada entre fevereiro de 2011 e outubro de 2012.

 Foram coletados dados em mais de 200 hospitais de 191 municípios, incluindo as capitais e algumas cidades do interior de todos os estados do país. Os resultados desta pesquisa mostram que puérperas negras possuíam maior chances de terem um pré- natal inadequado, ausência de acompanhante, maior peregrinação para o parto, menos anestesia, maior índice de morte materna, entre outras coisas.

 Mostrou também que o número de cesáreas na rede privada estava acima de 80%, e na rede pública acima dos 40%, enquanto o recomendado pela OMS é 15%. Em contrapartida, as mulheres negras eram as que menos tinham acesso à cesariana.

 Todos os aspectos negativos dentro da assistência desde o pré natal ao pós parto imediato mostraram que as mulheres negras são as maiores vítimas da má assistência, isso quando chegam a ter uma assistência! Esses dados foram tão impactantes que dessa pesquisa saiu o artigo intitulado "A cor da dor: iniquidades raciais na atenção pré-natal e ao parto no Brasil." Este artigo foi publicado em 2017 e também coordenado pela Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca (ENSP-Fiocruz).

 Todos os aspectos negativos dentro da assistência desde o pré natal ao pós parto imediato mostraram que as mulheres negras são as maiores vítimas da má assistência, isso quando chegam a ter uma assistência! Esses dados foram tão impactantes que dessa pesquisa saiu o artigo intitulado "A cor da dor: iniquidades raciais na atenção pré-natal e ao parto no Brasil." Este artigo foi publicado em 2017 e também coordenado pela Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca (ENSP-Fiocruz).

 A atuação da doula durante o parto é reconhecida e estimulada pelo Ministério da Saúde e pela Organização Mundial da Saúde (OMS). Estudos científicos mostram que a presença delas ajuda a diminuir em 50% os índices de cesáreas, 25% a duração do trabalho de parto, 60% os pedidos de analgesia peridural, 30% o uso de analgesia peridural, 40% o uso de ocitocina e 40% o uso de fórceps. O apoio profissional recebido durante o trabalho de parto e pós-parto aumenta as sensações de bem-estar da mãe e ajuda no combate à depressão pós-parto. E sabemos qual a parcela da população que não tem acesso ao mínimo e quando se fala em saúde pública isso não é diferente.

As pessoas pretas que estão mais suscetíveis a sofrerem violências e racismo na assistência obstétrica e como foi dito anteriormente, a doula é a pessoa que está no front do combate a todos os tipos de violência na assistência obstétrica e puerperal.

Doula não faz parto. Doula faz parte!

Uma doula com letramento racial e social tem uma importância significativa para auxiliar as famílias e oferecer um suporte informacional para que estas estejam aptas a atravessar esse processo do gestar e parir de forma antirracista, digna e respeitosa.

Temos um longo caminho para que a assistência obstétrica e antirracista seja a ideal e acessível a todos, mas para isso é necessário criar políticas públicas para a inserção das doulas no SUS (Principalmente na atenção primária de saúde), fortalecer as boas práticas na assistência de todos os trabalhadores da saúde desde o porteiro ao Médico Obstetra, Incentivar a presença da doula e formar mais profissionais capacitados para atender as demandas com um olhar antirracista.

A formação da doula ainda é algo elitista e pouco acessível para as pessoas pretas. A maioria dos cursos são privados na faixa dos 2 mil reais, inviabilizando o acesso de pessoas pretas à formação. E por consequência temos poucos profissionais doulas pretas para atender a população preta. Vale ressaltar que no estado do Rio de Janeiro existe o curso de formação de doulas organizado pela EPSJV/Fiocruz em parceria com a associação de doulas do estado.

Adoulasrj, na qual estou como tesoureira, essa formação é considerada um modelo para as demais pois além de uma grade curricular completa, carga horária ampla é totalmente voltado às necessidades dos usuários do SUS, e além de ser gratuito tem como público-alvo mulheres pretas e periféricas. As doulas já estão inseridas no SUS de maneira indireta e autônoma, inclusive já é possível comprovar a importância e os benefícios da sua atuação profissional na assistência no SUS. E é no SUS que está concentrado os atendimentos a maioria da população preta no Brasil!

Existe uma frase muito utilizada pelos movimentos de doulas que é:"TODA MULHER MERECE UMA DOULA!" Porém nem todas as mulheres têm acesso ou condições financeiras para arcar com esse serviço. A doula está inserida no CBO (Código Brasileiro de Ocupação) com o número xxx, sendo a doula uma ocupação regulamentada onde existe um piso salarial no valor de R$1.375,01. No Estado do RJ ainda temos uma associação que além de organizar a categoria das doulas luta por direitos e deveres de toda a categoria independente da doula ser ou não associada.

A adoulasrj é responsável pela lei estadual e municipal das doulas, teve participação ativa na conquista da lei do acompanhante e junto a federação nacional de doula ( Fenadoulas ) está na construção para a profissionalização e fortalecimento da profissão. Uma doula investe pesado, financeiramente falando, em sua formação, a grande maioria das doulas são mulheres e mães. Com isso, merecem e precisam ser remuneradas para exercerem o seu trabalho de maneira adequada, mas também sabemos que o trabalho do cuidar não é algo valorizado em nossa sociedade machista e capitalista!

 Muito se tem falado sobre os vários tipos de violência obstétrica, os seus malefícios, sequelas e inclusive existem dados que apontam qual o público mais suscetível a esse tipo de violência.

Segundo um estudo realizado pela Fundação Oswaldo Cruz em 2014, as mulheres negras sofrem mais violência obstétrica, e esses dados foram tão alarmantes que a pesquisa "Nascer no Brasil" deu origem ao artigo "A cor da dor".

Mas no Brasil violência obstétrica não é configurada como crime, porém o RACISMO É CRIME!!!! Por que esconder a violência racial dentro da violência obstétrica com a frase: "Mulheres sofrem violência, mas as mulheres negras sofrem mais". Não, as mulheres negras não sofrem MAIS. As mulheres negras sofrem Violência obstétrica e RACISMO!

O racismo também ocorre quando a "HUMANIZAÇÃO" é elitista e as informações, o atendimento digno e os serviços tidos como "humanizados" não alcançam toda a população. E nem precisamos mencionar os dados que comprovam qual é a população mais pobre, que mais morre, que têm menos acesso a uma saúde de qualidade... não é mesmo!?

Profissionais que se dizem "humanizados", quantas mulheres pretas vocês atendem? Isso é humanização? Humanização para quem? Hoje algumas mulheres pretas podem pagar por um atendimento individual, mas é que não podem pagar por essa "humanização" como ficam? O racismo está dentro dessa tal HUMANIZAÇÃO não só nos atendimentos e inclusive entre os profissionais. As doulas negras por exemplo, ainda somos minoria e com procura reduzida. Queremos doulas pretas para mulheres pretas e com remuneração!

E pergunto: Humanização para quem?


A luta persiste e seguimos hoje nessa luta pelas mulheres que nos antecederam e por todas as outras que estão por vir.