Jornalista Gislaine Milca, fala sobre seu TCC, O caminhos das margaridas, que se transformou em um livro reportagem, sobre 8 trabalhadoras da limpeza.

31/01/2023

Gislaine Milca é uma jovem mulher negra, de 28 anos. Introvertida, escuta e observa mais do que fala. Ama escrever sobre pessoas e fotografar. Uma de suas manias é ouvir música com fone de ouvido no volume máximo - é, eu sei, não é o recomendado disse  - ela também gosta ler em ambiente silenciosos. Uma jovem cristã, que leva os ensinamentos de Jesus como bússola. Formada em Comunicação Social - Jornalismo em Multimeios pela Universidade do Estado da Bahia (UNEB) e, atualmente, trabalha em uma Assessoria de Imprensa.

 Quando surgiu a ideia para escrever Os caminhos das margaridas? 

Ainda na adolescência, época em que eu visitava com frequência a biblioteca da escola que estudava, "coloquei na cabeça" que um dia escreveria um livro. O sonho ficou adormecido em mim até 2016, quando eu estava no quarto período do curso de jornalismo e uma professora apresentou à turma uma reportagem da jornalista Eliane Brum intitulada "A Enfermaria entre a Vida e a Morte, leia aqui, Lembro que fiquei encantada pela escrita e logo pesquisei mais sobre os livros-reportagem produzidos por ela. Foi aí que eu despertei, lembrei do antigo sonho e pensei que poderia escrever um livro com perfis jornalísticos de pessoas desconhecidas. Em 2017, quando precisei definir o tema do meu Trabalho de Conclusão de Curso (TCC), não tive dúvidas: escreveria um livro-reportagem-perfil sobre as trabalhadoras da limpeza urbana da região onde moro, que eu sempre observava no trajeto de casa até a universidade (moro em Petrolina - PE e estudava em Juazeiro - BA, duas cidades vizinhas, separadas apenas pelo Rio São Francisco).

Como foi todo o processo de escrita e pesquisa do livro?

Ainda em 2017, no segundo semestre, eu comecei as pesquisas bibliográficas para o pré-projeto do TCC. Em 2018, já com o projeto aprovado, dei continuidade às pesquisas bibliográficas (que, posteriormente, foram inseridas no memorial que escrevi sobre o tema escolhido, e onde relatei todo o processo de produção do livro) e iniciei a pesquisa de campo (em um contato direto com as margaridas, conversando com elas, aplicando formulário para conhecê-las e entrevistando-as para saber quais delas tinham interesse em participar do meu trabalho). Ao mesmo tempo, depois de analisar e decidir quais histórias eu contaria, comecei a acompanhar um dia de trabalho de cada uma (no total, foram oito trabalhadoras da limpeza urbana, sendo três delas ex-detentas em processo de reinserção na sociedade). Eu chegava na casa das entrevistadas entre 5h e 6h da manhã. Tomávamos café conversando e, logo em seguida, íamos para o trabalho delas. Enquanto elas varriam as ruas, eu realizava as entrevistas gravadas, fotografava e anotava tudo o que observava acontecendo ao redor (o que foi muito útil na hora da escrita, principalmente para acrescentar detalhes do dia).

Como era meu TCC, eu tinha um tempo muito curto e exato para fazer tudo sozinha. Ah, tive sim o acompanhamento excelente da minha orientadora, que inclusive escreveu o prefácio do livro, mas na hora de "colocar a mão na massa" era eu comigo mesma. Além de acompanhar cada uma das entrevistadas da hora que eu chegava na casa delas até o final do expediente de trabalho; tive que decupar e transcrever quase 100 horas de áudios das entrevistas; analisar e escolher as fotografias; realizar mais entrevistas nas Secretarias de Limpeza Urbana e com os sindicatos dos garis e margaridas; ao mesmo tempo em que escrevia o livro e o memorial.

Eu escolhi detalhar tudo isto para vocês terem uma noção do quanto foi intenso o período de escrita. Eu não tive escolha de realizar o trabalho em etapas, uma coisa de cada vez. Foi muito exaustivo, mas, maior que a exaustão, era a minha certeza de que tinha em mãos um tema muito relevante e que, se a minha atenção foi direcionada para as trabalhadoras da limpeza urbana, eu deveria continuar com o meu propósito de escrever sobre elas.

Você acredita que essas trabalhadoras estão sujeitas a condição análogas à escravidão?

Uma das reclamações que eu mais ouvi foi, por exemplo, com relação à falta de um ponto de apoio central, onde essas trabalhadoras pudessem almoçar, descansar e fazer suas necessidades fisiológicas. A maioria delas almoça em praças ou calçadas a comida que levam de casa (que ao meio dia já não está mais quente) e, depois, em cima de papelões, nesses mesmos locais, deitam e dormem até o início do segundo turno de trabalho (inclusive, tem uma fotografia no livro que mostra bem isso). Quando querem usar o banheiro, utilizam os públicos ou de estabelecimentos de pessoas que acabaram conhecendo enquanto trabalham. O mesmo acontece quando querem beber água, vez por outra pedem nas casas das ruas onde estão realizando a limpeza.

Por falta dessa estrutura que, se existisse, as trabalhadoras da limpeza urbana teriam as demandas citadas acima atendidas, não é exagero da minha parte dizer que, sim, elas estão sujeitas. O que eu acabei de descrever se encaixa em "condições degradantes de trabalho", uma das quatro modalidades do trabalho análogo à escravidão.

Como podemos amparar e contribuir como sociedade, os direitos das trabalhadoras domésticas?

Sempre que me perguntam como é possível contribuir com a classe de trabalhadores e trabalhadoras da limpeza urbana, eu costumo falar algo que ouvi muito das margaridas: é preciso começar pelo básico. Pelo menos duas vezes na semana, garis realizam a coleta de casa em casa. Ao separar o lixo corretamente, com atenção aos objetos cortantes que podem prejudicá-los, por exemplo, já os ajudamos a dar continuidade ao trabalho. Ao presenciar uma margarida varrendo próximo ao banco da praça em que estamos sentados (as), por exemplo, o simples ato de dar espaço para que elas continuem varrendo, ou até se jogamos o lixo que temos em mãos diretamente no carrinho, já faz com que ela não se sinta desrespeitada. Pode parecer "besteira," simples demais, mas já ouvi reclamações constantes relacionadas a isso, acompanhadas do pedido "se as pessoas fizessem pelo menos isso, já ajudavam a gente"

Enquanto pessoas e profissionais da comunicação que nós somos, contribuímos com a classe de trabalhadores e trabalhadoras ao dar espaço para eles falarem e contarem suas histórias, às pautas que defendem e aos atos que, junto aos sindicatos, sempre realizam, reivindicando melhores salários e condições de trabalho dignas.

Como esse livro reverbera em você. Agora que ele está no mundo?

Eu tenho "Os Caminhos das Margaridas" como um sonho realizado e, enquanto jornalista, um dever que venho cumprindo prazerosamente desde 2017, quando decidi escrever sobre as trabalhadoras da limpeza urbana, até hoje, ao conceder entrevistas sobre ele ou participar de eventos literários.

 Onde os leitores podem encontrar Os caminhos das margaridas?

Está à venda tanto no site da Editora Letramento (Clique aqui), quanto em ebook na Amazon (Clique aqui). Quem é da minha região, também pode comprar diretamente comigo. É só me chamar nas redes sociais.

Fique a vontade para acrescentar algo, que ache necessário para seus leitores saberem.

Só depois que eu apresentei como TCC, enviei para a Editora Letramento e, em 2021, ele foi publicado. Antes de realizar o lançamento oficial, eu fiz um pré-lançamento, onde entreguei um exemplar a cada uma das entrevistadas. O livro físico tem 151 páginas e o ebook 185.