Ancestralidade sem cep, por Taynara Melo

06/09/2022

Quando a minha mãe me falou pela primeira vez que eu iria para a escola, que brincaria com outras crianças e aprenderia muitas outras coisas, fiquei muito empolgada com as possibilidades. De fato, ela estava certa. Tudo que ela havia me dito, aconteceu ao longo do pré-infantil, ensino fundamental e ensino médio. No entanto, determinados assuntos eu não sabia responder quando acontecia. Quando uma colega de classe me perguntou por que eu tinha tanta chucha amarrada no meu cabelo, não soube responder.

O outro colega, disse que eu era a única preta que ele tinha visto. Alguns queriam saber se entrava água no meu cabelo. Das poucas vezes que eu sorria, alguns deles deixavam claro que meus dentes eram bonitos, porque eram branquinhos. Não cheguei a perguntar para minha mãe, porque eu era diferente de todos da sala quando criança. Só me sentia deslocada e muito feia. Na adolescência, foi pior, porque eu era excluída descaradamente. Quando entrou outros alunos negros na minha turma, foi como um alívio, pois, não faria mais trabalhos escolares sozinha.

Mas, essa divisão de cores se estendeu para minha fase adulta. No serviço, nada era competição para mim, era sobrevivência. A única negra no quadro de funcionários. Os gerentes de todas as empresas que passei, nunca cogitaram me dar oportunidades. Sempre eu me oferecia para fazer qualquer serviço além do que eu tinha sido contratada, era recusado, e passado para outra pessoa branca. Depois do nascimento do meu filho, vieram mais rejeições contra a minha cor. A pergunta que eu nunca havia feito, surgiu na minha mente.

Por que a minha cor é rejeitada?

Perguntei para a minha mãe, que também é negra, se já havia acontecido fatos como esses com ela. Resposta foi sim. Ela me contou alguns episódios, fiquei revoltada. Queria saber mais sobre a minha descendência. E entender de onde havia nascido tudo isso.

"O que encontrei foi uma ancestralidade sem cep."

Não passei da minha vó Antônia que também era negra. Ela era uma mulher calada. Não falava do seu passado. Meus tios não se lembram de seus avós e muito menos da convivência. Foi com a cara na parede que conheci Djamila Ribeiro. A partir de seu livro Pequeno Manual antirracista, fui atrás de ler outros livros, artigos, assistir palestras e conversar com outros negros. E descobri que muitos, também estão sem cep. Porém, se reconhecem, assim como eu, parte de uma comunidade de negros, de pura resistência, igualdade, respeito e amor, que vem de uma geração de escravos.