Desigualdade na mortalidade materna: Estudo indica taxa dupla entre mulheres negras em relação às brancas.

05/12/2023

Pesquisa Nascer no Brasil foi apresentada pelo Ministério da Saúde nesta quinta-feira (23) de Novembro de 2023.


O Ministério da Saúde conduziu a 1ª Oficina de Trabalho sobre a Morte Materna de Mulheres Negras no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS) em Brasília nos dias 23 e 24 de novembro de 2023, marcando a reabertura do Comitê Nacional de Prevenção à Mortalidade Materno-Infantil. Como parte dessa iniciativa, foi lançada a Pesquisa Nascer no Brasil II: Inquérito Nacional sobre Aborto, Parto e Nascimento, uma colaboração com a Fiocruz, analisando dados do SUS para fornecer uma visão aprofundada sobre nascimento e gestação.

Dados preliminares de 2022 indicam que, enquanto a taxa de mortalidade materna para mulheres brancas é de 46,56, para mulheres negras é mais que o dobro, atingindo 100,38 óbitos a cada 100 mil nascidos vivos. A incidência para mulheres pardas é de 50,36. O Brasil assumiu a meta de reduzir para 30 mortes até 2030, de acordo com compromissos com as Nações Unidas.

A reversão dessa situação depende da implementação de diversas políticas públicas, incluindo a expansão de Centros de Parto Normal e maternidades, sendo uma prioridade do Novo PAC na Saúde. Nessa primeira fase, foram investidos R$ 3,84 bilhões na construção de 30 maternidades e R$ 90 milhões em 30 projetos de Centros de Parto Normal. O Novo PAC na Saúde planeja investir R$ 30,5 bilhões nos próximos quatro anos, visando a universalização de serviços essenciais na rede pública.

A expansão do acesso e da qualidade no atendimento na atenção primária à saúde, a porta de entrada do SUS, está sendo promovida com a retomada do programa Mais Médicos pelo governo federal. A expectativa é ter 15 mil novos médicos até o final de 2023, totalizando 28 mil profissionais, fortalecendo o pré-natal e o acompanhamento das gestantes, beneficiando mais de 96 milhões de brasileiros e reduzindo desigualdades na distribuição desses profissionais pelo país.

No ano de 2023, o Ministério da Saúde realizou um investimento significativo, destinando R$ 870 milhões para custear equipes multiprofissionais na atenção primária em estados e municípios. Essas equipes incluem profissionais de diferentes áreas, como nutricionistas, fisioterapeutas, pediatras, psicólogos, ginecologistas e farmacêuticos. A falta de financiamento no governo anterior resultou em desassistência, especialmente em regiões mais vulneráveis do Brasil.

De acordo com Luís Eduardo Batista, assessor para Equidade Racial do Ministério da Saúde, a meta é criar um plano com metas e ações, desenvolvidas pelo governo federal em diálogo com profissionais da saúde, sociedade civil, gestores locais, e movimentos de mulheres negras e humanização do parto. Durante o evento, o ministério lançou a campanha "Racismo faz mal à saúde", que será promovida nas redes sociais para conscientizar sobre o racismo como um determinante social de saúde.

O secretário executivo adjunto da pasta, Elton Bernardo Bandeira de Melo, ressaltou a importância da contribuição dos participantes da oficina para a gestão do Ministério da Saúde e do SUS. Essa ação está alinhada ao enfrentamento do racismo, central no governo, e à compreensão de que não é possível conduzir o Estado com racismo estrutural.

A Pesquisa:

A Pesquisa Nascer no Brasil apresenta o conceito de Razão de Mortalidade Materna (RMM) que é o número de óbitos, registrados em até 42 dias após o término da gravidez (atribuídos a causas ligadas à gestação, ao parto e ao puerpério) por 100 mil nascidos vivos.

Nos anos de 2020 e 2021, durante a pandemia de covid-19, a diferença também foi significativa: em 2021, a RMM ficou em 194,8 no caso das mulheres negras (127,6 em 2020); 121 para brancas (64,8 em 2020) e 100 para pardas (68,8 em 2020).

Mas, considerando a série histórica e o recorte de mulheres pretas, é importante destacar que dados similares foram registrados em um período muito anterior à pandemia: em 2016, mulheres pretas somaram 119,4 mortes/100 mil nascidos vivos contra 52,9 em brancas. 

Assistência pré-natal:

Assistência pré-natA assistência pré-natal é um importante instrumento para prevenção de morte e outras complicações decorrentes da gestação, tanto para mães quanto para os bebês. O índice de gestantes que começaram os atendimentos no segundo trimestre da gravidez - considerado tardio - ficou em 13,4 % para pretas e pardas e 9,1% para mulheres brancas.

Desfecho da gestação e causas de morbidade materna:

Em relação à morbidade - que é a presença de um tipo de doença na população -, os índices também são maiores na população negra. As causas mais comuns foram: as síndromes hipertensivas (gestantes pretas, 64,2%; pardas, 62,1%; e brancas, 54,7%); a hipertensão arterial grave (gestantes pretas, 58,5%, pardas, 54,8%; e brancas, 50,1%); e a pré-eclâmpsia grave (gestantes pretas, 26,5%; pardas, 25%; e brancas, 16,9%).

Foi também identificada maior natimortalidade em gestações de mulheres pardas (0,7%) e pretas (0,5%). O índice com relação às brancas é de 0,3%.

Idade:

IdadeOutro dado analisado é a idade dessas mulheres e meninas. Ao considerarmos a idade delas quando foram internadas, mulheres pretas (15,9%) e pardas (13,8%) são maioria entre as gestantes com 10 a 19 anos se comparadas às brancas (10,8%). Já, no caso de gestações após 35 anos, as brancas foram maioria (18%) em relação a negras e pardas (15,9% e 13,9%, respectivamente). Em todos os grupos, a maioria engravidou entre 20 e 34 anos.

Local de internação:

internaçãoEm números absolutos, nos anos de 2022 e 2023, 7.426 mulheres pardas, 3.291 brancas e 1.716 pretas tiveram internações por parto ou aborto em hospitais públicos ou mistos.

É possível observar que as pardas registraram mais internações em áreas fora da região metropolitana (38,7%) em relação às brancas (32,7%) e negras (30,2%). O Nordeste registrou índices mais altos no caso das gestantes pardas (31%) e o Sudeste em relação às brancas (39,6%) e pretas (41,6%).

De forma geral, os três grupos registraram maior proporção de internações em hospitais públicos em relação às instituições mistas, mas, no caso de mulheres pretas (66,9%) e pardas (63%) este índice foi maior do que em brancas (55,2%). 

Peregrinação para o parto: o caso Alyne Pimentel:

Um caso sempre lembrado quando se fala em racismo e mortalidade materna de mulheres negras, é o de Alyne da Silva Pimentel Teixeira, que morava no bairro de Belford Roxo, no Rio de Janeiro. No dia 14 de novembro de 2002, Alyne, negra e com 28 anos, estava no sexto mês de gestação, quando buscou assistência na rede pública de saúde, com dores abdominais e náuseas.

Após ser mandada de volta para casa pela primeira vez, voltou ao hospital e foi constatada a morte do feto. Após horas de espera, foi submetida à cirurgia, o quadro se agravou e sua transferência para outro hospital foi indicada. Na outra unidade médica, esperou horas no corredor e faleceu dois dias depois, por conta de uma hemorragia digestiva resultante do parto do feto morto.

Hoje, 21 anos depois, esse problema persiste: 19,8% das mulheres pardas e 18,7% de pretas tiveram que peregrinar para conseguir atendimento médico contra 14% de brancas. O caso de Alyne será tema de um dos painéis do evento.

Nadja Alves dos Reis Ministério da Saúde
Nadja Alves dos Reis Ministério da Saúde