Sexóloga Laísa Camargo, fala sobre autoconhecimento na sexualidade.

15/11/2022

Laísa Camargo, 

É uma mulher preta feminista, com 30 anos, leonina com ascendente em Escorpião, aquilombadora, antirracista, antiLGBTfóbica, que se descobre, desconstrói e se reconstrói frequentemente. Laísa, é filha da 2° gestação dos meus pais, mas a 1° filha, nascida e essa informação é relevante, pois, acredito e considero a ancestralidade como a base para desenvolvermos toda nossa vida.  Atua como Terapeuta Sexual, Terapeuta Tântrica e Palestrante, trabalhando como facilitadora do bem-estar íntimo e saúde sexual de Deusas!

Ela há mais de 5 anos realizando atendimentos terapêuticos em sexualidade voltada para mulheres com recorte étnico-racial (mulheres pretas), independente de sua orientação e gênero (cis, trans ou Intersexual), com base nos princípios da Ginecologia Orgânica, focados na evolução e resolução de queixas destas mulheres, a fim de empoderar e libertar cada uma, considerando suas vivências, das amarras do patriarcado e de crenças que as limitam, considerando e honrando a ancestralidade e a ciclicidade singulares.

Formada em Técnica em Enfermagem (Colégio Técnico de Limeira - COTIL/UNICAMP, Graduada em Gerontologia (UFSCar), Pós-graduada em Psicogerontologia (OSCIP Ger-Ações), Sexóloga especializada pela FMUSP, Master Love/Coach de Relacionamento (MBR Cursos) e Terapeuta Tântrica (feminino e para casal).

Qual é a importância do autoconhecimento na sexualidade?

O Autoconhecimento é o início para um desenvolvimento saudável da sexualidade, logo, é indispensável. Nós, sexólogos assim como os/as demais profissionais que atuam na área da saúde e educação com enfoque para bem-estar e empoderamento, frequentemente reforçamos que a construção social da nossa identidade sexual, assim como, da nossa autoestima, autoconfiança e o modo como nos relacionamos está intimamente ligada às fases do "desenvolvimento sexual na 1a e 2a infância" (até aproximadamente os 6 anos de idade). Já a nossa percepção sobre como nos relacionamos, aprendemos observando os relacionamentos dos nossos cuidadores principais (geralmente os pais) e com o núcleo familiar no qual crescemos. Trago essas observações para chamar a atenção do(a) leitor(a) para o fato de que o autoconhecimento se constrói a partir do momento em que aprendemos a diferenciar a percepção do outro sobre nós, de quem nós somos de fato.

O autoconhecimento nos possibilita e nos empodera a fazermos escolhas mais conscientes e assertivas com relação ao que de fato desejamos individualmente, emocionalmente e sexualmente. Ele nos traz mais segurança e autonomia sobre nós mesmos e sobre nosso corpo, fazendo com que passemos a viver com mais prazer as experiências em todas as áreas da nossa vida.

Existem relatos de mulheres que nunca chegaram ao orgasmo e também tem vergonha de falar com seus parceiros. Como romper essas barreiras?

Estudos em saúde sexual nos mostram que 80% das mulheres têm dificuldade para atingir o orgasmo, 3 em cada 10 brasileiras nunca chegaram a ter um orgasmo. De acordo com a pesquisa Mosaico 2.0, realizada na Universidade de São Paulo (USP) e liderada pela psiquiatra e sexóloga Carmita Abdo, no ano de 2017, 40% das mulheres não se masturbavam. Quando digo que o autoconhecimento é indispensável para a sexualidade é sobre isso também. Toda mudança deve começar a partir de nós e depois ir para o outro.

O primeiro passo, é conhecer o histórico de saúde desta mulher, para descartarmos qualquer questão fisiológica clínica ou hormonal. A partir disto, um caminho para romper esta barreira deve se iniciar no fortalecimento do autoconhecimento, da autoestima, do diálogo respeitoso e sincero entre os parceiros. Terapias Psicossexual individual e Terapia de Casal são excelentes oportunidades para potencializar o conhecimento e a conexão entre o casal, facilitar a comunicação, descobrir novas formas de prazer e ainda, ampliar o repertório sexual. É necessário aprender a compartilhar elogios, mas também trazer sugestões de como ambos podem melhorar o prazer juntos/juntas ou juntes. Nutrir o relacionamento com novidades, cumplicidade e intimidade. Nada é mais excitante do que a intimidade e a liberdade criada entre as parcerias.

A sexualidade vai além do Ato sexual?

Muito, a sexualidade é um aspecto central da nossa vida e nos acompanha em todas as fases desta, desde nosso nascimento, até o momento em que paramos de respirar. A complexidade que compõe a sexualidade se inicia, ainda quando estamos sendo gestados e os pais anseiam por descobrir se darão à luz à um menino, uma menina - podendo ainda, não ser possível identificar o "sexo biológico" (pênis ou vagina) do feto. Neste caso, temos um bebê intersexual.

Deste momento em diante, a sexualidade continua presente em tudo: na forma como nos apresentamos para as pessoas, no modo como nos vestimos e nos sentimos confortáveis - que chamamos de "Expressão de gênero". Está presente quando consideramos há quem direcionamos nossos desejo e paixão, com quem queremos nos envolver afetivamente, ou seja, nossa "orientação sexual", e também no modo como nos identificamos individualmente (Homens - cisgêneros ou transgêneros, Mulheres - cisgêneros ou transgêneros, não binários ou agêneros), isto compõe nossa "Identidade de gênero". Muita informação, né? E tudo isso, se cria e se desenvolve ao longo de nossa vida, conforme as "5 fases do Desenvolvimento Sexual", conforme estudado e explicado por Sigmond Freud.

Quais os estereótipos sexuais femininos que nos impede de ter prazer sem culpa?

A partir do momento que compreendemos que o estereótipo de gênero é uma construção social com viés sexista, por meio da qual consideramos um conjunto de crenças sobre os atributos pessoais adequados a homens e mulheres, atrelado ao fato de que não temos o hábito de trabalhar educação sexual da infância como uma ferramenta de prevenção, saúde e empoderamento no desenvolvimento de indivíduos em formação, eu diria que a maioria deles, se não todos os estereótipos sexuais femininos criam estas barreiras para se ter prazer sem culpa. Quando acrescentamos à questão de gênero, a etnia, vemos que mulheres pretas tem esta culpa mais evidente, pois, ainda vivemos diariamente a relação de "dois pesos e duas medidas" entre a hiper sexualização de nossos corpos e a solidão da mulher negra...

Dentre os estereótipos mais presentes ainda vemos ser reproduzida a ideia de que mulheres devem ser dóceis, acolhedoras, cuidadora, compreensivas, passivas, que nunca se exaltam ou se indispõem. Diante desta construção quase angelical da figura feminina, não sobra espaço para que sejamos também aquelas que, assertivamente, tomam a iniciativa para uma relação sexual, casual, que questionam e que se posicionam com relação ao que gostam e como gostam. A construção da culpa feminina é ancestral e passa pela construção judaico cristã do perfil ideal para uma mulher versus o perfil da mulher perigosa e rebelde. Desconstruir os padrões de certo e errado dentro dos estereótipos de gênero e aceitarmos que seres complexos, compostos por múltiplos papéis sociais e características que vão além dos estereótipos é o início para caminharmos com menos culpa e mais leveza.

Existem vários sexólogos focados em orientar a vida sexual dos Jovens. Mas, também temos muitos mitos que contribuíram para o não prazer da terceira idade. O que você recomenda para essa comunidade?

Como Gerontóloga, não poderia deixar de falar da importância de desmistificar e permitir o prazer na fase 60+. Acredito que precisamos, primeiramente, naturalizar o fato de que sexualidade, desejo, erotismo e prazer são sentimentos que acompanham todas as pessoas até o momento da finitude. O fato de se desejar ter uma vida sexual ativa nesta fase é algo natural e precisa ser validado. O segundo ponto que eu recomendaria seria reforçar a necessidade de os profissionais de todas as áreas questionarem seus clientes e paciente sobre como está sua satisfação com a vida e saúde sexual - uma vez que este tópico é extremamente relevante para a Qualidade de Vida - e diante desta pergunta, buscar meios de conduzir as demandas dos pacientes 60+ com empatia e respeito. Por último, reforçarmos que sexo vai muito além de contato íntimo com penetração, ou seja, tirarmos o foco dos genitais como os únicos responsáveis pelo prazer. Não é necessária a presença de uma ereção para que se tenham trocas prazerosas em um contexto sexual, podendo apresentar para este público uma gama muito maior de possibilidades de prazer, satisfação e erotismo, sempre considerando e reforçando a importância dos cuidados preventivos à ISTs. Uma vida sexual de qualidade deveria persistir por toda vida.

Sabemos que a sexualidade é uma necessidade básica e um aspecto do ser humano. Que conselho daria para as mães de primeira viagem, que estão saindo do pós-parto?

A maternidade, traz consigo muitas questões e inseguranças quanto à autoimagem. A mudança do corpo, as mudanças hormonais, as mudanças na rotina, frequentemente são um desafio para nos sentirmos seguras e desejáveis e isso precisa sim ser acolhido, pois é um sentimento genuíno, mas não podemos permitir que ele tome uma proporção maior do que nossa autoestima e nosso autoconhecimento. Se admirem, se explorem e se redescubram. Se apropriem dos seus corpos novamente, tendo consciência de que o prazer e o erotismo são parte de você. Além de ser mãe, você é uma MULHER maravilhosa e apaixonante! Caso ainda não tenham uma rede de apoio em quem possam confiar e com quem possam compartilhar suas angústias, criem! Crie momentos apenas seus, que seja um banho, o momento de lavar o cabelo, uma caminhada ou uma soneca de 15 min enquanto seu bebê estiver com alguém da rede de apoio, sentir-se cuidada é permitir ser cuidada é um ato muito importante. Peça e aceite ajuda, isso não é sinal de fraqueza, mas um ato de amor-próprio.